Uma analise da mais rejeitada obra de Terêncio, A Sogra, e o humor contemporâneo


Esse é um texto um pouco diferente do que temos visto aqui no blog, eu quero ter uma conversa mais séria. Sei que não é o que normalmente acontece, as vezes acho que é interessante desafiar suas expectativas. Vamos falar sobre comédia, sobre humor, mas de uma forma mais séria.
Publius Terentius Afer, ou Terêncio, foi um poeta e dramaturgo romano durante a República Romana no século II a.C., ele tem uma visão peculiar e diferenciada sobre a condição humana quando trata-se de outros de sua época, visto que há relatos de que iniciou sua vida como escravo, fora educado e libertado. Esta vivência e dualidade provavelmente são a inspiração para sua frase mais famosa: "Homo sum, humani nihil a me alienum puto"; que pode ser traduzida como: “Sou humano, e nada que é humano me é estranho”. Neste texto vamos falar de uma de suas obras mais mal vistas em sua época, Hecyra, ou A Sogra e a utilizarei para traçar um paralelo com a comédia contemporânea.
A Sogra conta a história de Pânfilo e Filumena, assim como suas relações com suas famílias: Laques e Sóstrata, pais de Pânfilo; Fidipo e Mírrina, pais de Filumena. A trama roda as voltas de situações corriqueiras, segredos, convenções sociais. É uma obra marcada por uma das principais características da obra de Terêncio que é o estudo do caráter.
A história se inicia quando Pânfilo, filho do velho Laches e Sostrata, em uma noite de bebedeira resolve se aproveitar de uma jovem moça, Filumena, filha de Fidipo e Mírrina. Ele a estupra e rouba-lhe um anel, o qual, mais tarde, dá a para sua amada, a prostituta Báquis. 
Após algum tempo e algumas discussões o jovem Pânfilo resolve aceitar um casamento arranjado e por coincidência a moça escolhida é a própria Filumena. Porem ela não sabe que Pânfilo fora o autor do estupro e esconde o acontecido de todos temerosa do que poderia lhe acontecer, assim como ele também não sabe que a jovem moça de outra noite era na verdade sua futura esposa.
Após o casamento Báquis passa a rejeitar o jovem rapaz, o que faz com que a união entre Pânfilo e Filumena comece a ficar cada vez mais forte. Após algum tempo o jovem é chamado para longe e Filumena se descobre grávida em resultado do estupro. A moça tem medo que sua sogra, Sostrata descubra e para esconder sua condição ela volta para casa de seus pais dizendo que está doente e não permite que sua sogra a visite.
Pânfilo retorna durante o nascimento da criança e recusa-se a ter Filumena como sua esposa novamente. Seu pai Laches acusa-o de ainda estar com Báquis, mas prova-se que isso não é verdade. Porém descobre-se o anel roubado com a prostituta e Pânfilo percebe então que o filho, na verdade, é seu. E assim ele aceita novamente sua esposa e seu novo filho.
Terêncio tem uma característica que se sobressai nessa obra e que é, na sua maioria, alienígena a dramaturgia romana da época, o drama. O teatro romano, diferentemente do teatro grego, foca-se principalmente na diversão, na comédia. Apesar de ser uma comédia, o autor se foca no desenvolvimento das suas personagens e no drama, nas tramas e reviravoltas do roteiro.
Terêncio utiliza sua obra para fazer uma analise do caráter humano, onde as personagens estão mais preocupadas com o parecer. Com o se apresentar de certa forma, com como outras pessoas vão pensar, e não com o problema, ou com o outro, com o fato de que Filumena fora estuprada, por exemplo.
Parece-me que o autor tinha como objetivo usar sua obra para fomentar pensamento crítico aliado ao entretenimento. Acredito que esse é o principal fator para que essa obra tenha sido tão rejeitada. Conta-se que das três vezes que fora apresentada, somente na ultima terminara-se a apresentação.
Onde está o limite do humor, da comédia? A comédia grega era utilizada para ensinar, doutrinar, exemplificar. A comédia romana é voltada principalmente para o entretenimento, a exemplo de Plauto. Terêncio está no limiar entre essas formas dramatúrgicas.
O humor tem essas duas características distintas ao longo das épocas. Em certos momentos ele é utilizado de maneira escapista, para aliviar e fugir das mazelas do dia-a-dia. Porém em certas épocas ele é utilizado como voz de protesto, ou como meio de análise de um período ou acontecimento.
Sinto que essa dualidade é um pouco do que vivemos hoje no país, o que muitas pessoas estão tendo dificuldade de entender. E essa dificuldade de entender se estende não só para o público como também para os humoristas. O que torna o quadro ainda mais difícil de ser analisado.
Para que eu me explique melhor, vamos tratar o humor como um problema a ser resolvido, e para que o humor realmente funcione esse problema tem que ser resolvido dentro da cabeça do espectador e acertar certos pré-requisitos. De maneira que o humor depende do que já está construído dentro da cabeça do espectador para funcionar. Pensando dessa forma, existiram inúmeros tipos de humor, que ultrapassam sociedades, eras, línguas, pois cada individuo tem uma construção mental, um capital cultural diferente. Por isso mesmo o humor grego não funcionaria na antiga Roma, e nenhum desses funcionaria conosco, por exemplo.
Acredito que da mesma forma que o público romano não queria analisar socialmente o caráter das personagens criadas por Terêncio, o publico brasileiro contemporâneo não quer analisar os limites do que realmente é humor ou do que é ofensa.
O que acontece no nosso país no quesito humor, a meu ver, é uma dessensibilização para com a condição humana, aliada a um sentimento de impotência, impulsionado por anos de preconceito, sexualização e uma cultura patriarcal que valoriza certos aspectos e achincalha outros, dando-os como menores e menos importantes.
O brasileiro se sente sem saída, acuado, desesperado em uma rotina que não melhora. Ele não tem e não quer ter tempo para resolver a “equação humorística” na sua cabeça. Na grande maioria procuramos o humor fácil, digerível, e que não precisa ser raciocinado. Daí por exemplo a facilidade e o grande boom dos memes nas redes sociais brasileiras. O perigo é que, por não querer pensar, por não querer desconstruir esse humor em suas mentes, o limiar do humor se ultrapassa com facilidade. Pense bem no humor que consome, pense bem no que esse humor se baseia, pense bem...



Comentários

  1. Amei o post e principalmente a reflexão que ele traz. De início, eu confesso que não conhecia esse dramaturgo grego e adorei o enredo da obra de sua autoria que você citou. É incrível imaginar que lá na antiguidade os problemas sociais já eram os mesmos que a gente ainda vivencia hoje.
    Sobre sua análise a respeito do humor no Brasil, eu concordo com tudo o que você escreveu. A gente ainda precisa encontrar o meio termo, mas isso não parece ser o objetivo... Pelo menos por enquanto!

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  2. Fantástica a sua citação! Não conhecia essa obra de Terêncio, mas fiquei bastante ansiosa para ler mais a respeito.

    Um abraço

    www.purestyle.com.br

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  3. Essa reflexão é maravilhosa embora não conheça o autor. Acho que apesar dos problemas serem os mesmos de antigamente infelizmente o povo ainda não aprendeu

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