The Promised Neverland: Um Eficiente Roteiro com uma Bela Direção


Quando eu estava selecionando os animes que acompanharia na temporada de janeiro, ouvi falar de The Promised Neverland e me interessei de cara. Primeiro porque a animação seria baseada em um manga da Shonen Jump, a principal revista do gênero no Japão, e segundo porque vi muita gente falando na internet que essa obra é o sucessor espiritual de Death Note. Apesar de alguns probleminhas no roteiro, a história é muito interessante e tem tudo para seguir empolgando em uma eventual segunda temporada, fora que a direção é um show a parte.
A sinopse da obra pode ser resumida em seu primeiro episódio, então se você ainda não viu, pare de ler este texto agora e vá vê-lo. Logo de cara somos apresentados ao nosso trio de protagonistas, as crianças: Emma, Norman e Ray. Os mesmos vivem em um orfanato junto com outras crianças, onde aparentemente todas crescem saudáveis e felizes. Todos são cuidados pela governanta Isabela, a quem as crianças chamam de mamãe. Resumidamente este orfanato é composto por uma bela mansão com arquitetura vitoriana, um enorme campo aberto onde as crianças brincam, uma floresta e finalmente enormes muros que cercam toda a área. O engraçado neste primeiro episódio é que apesar das crianças parecerem extremamente felizes, a direção faz questão de te deixar claro que tem algo errado, as mesmas têm números tatuados em seus pescoços, os muros são exageradamente altos e apesar da história parecer ser ambientada no século XIX, os órfãos fazem algum tipo de teste de QI, usando equipamentos estranhos que parecem ser tablets. Eis então que uma criança será adotada, uma menininha de uns 5 anos, mas ela esquece seu ursinho de pelúcia. Contrariando as regras da casa, Emma e Norman decidem levar o ursinho para a menina e atravessam o portão do orfanato, mas o que eles veem é uma cena assustadora. A garotinha estava morta e sendo entregue pela “Mamãe” Isabela para um demônio. Assustados Emma e Norman voltam para a casa, contam a Ray tudo que viram e eles concluem, o orfanato é uma grande fazenda e eles são o gado. Decidem então que vão enganar a governanta e fugir.
Deste ponto em diante o roteiro realmente passa a lembrar um pouco Death Note. Pois as crianças entram em um duelo mental com a Isabela, cada lado tentando enganar o outro, a fim de atingir os seus objetivos. Obviamente que o nosso trio de protagonistas não são representados por quaisquer crianças, são as crianças prodígio do orfanato, liderando os testes de QI.
Há uma diferença brutal entre esta obra e a outra que citamos, enquanto naquela a narrativa estava focada nos diálogos expositivos, para expor os planos mentais dos personagens, aqui temos o foco na ação. Pouco vemos da elaboração dos planos em si, o que temos são cenas em que os personagens estão conversando algo que não podemos ouvir, além do constante clima de suspense. Com isso em mente, temos que reconhecer que a direção deste anime é espetacular. A direção optou por escolher planos nada ortodoxos, que nos dão a impressão de que os nossos protagonistas estão sendo vigiadas o tempo todo. Também temos um uso incrível de luzes, que ajudam a mostrar o estado mental das personagens. Destaque para a forma como o fazem com Isabela, conseguimos sentir horror quando o nosso trio está em sua presença sem que seja necessário distorcer sua aparência. Além disso, temos algumas cenas animadas em primeira pessoa, principalmente as de transição entre os cômodos da mansão, o que ajuda a aumentar o clima de suspense.
Mas como vocês podem ter percebido no título, nem tudo são flores em The Promised Neverland. Quando digo que o roteiro é eficiente estou sendo muito honesto, o mesmo funciona e consegue desenvolver o suspense de maneira bastante interessante. As personagens também são bem desenvolvidas ao longo deste. Mas temos três pontos em que o mesmo fica devendo, e o impede de ser melhor.
O primeiro deles é a irmã Krone. Ela entra na história no segundo episódio é vira uma espécie de ajudante da Mamãe. A questão é que Krone é negra, e a foram como ela é retratada na série é bastante desanimadora. Diferentemente da governanta da casa, a sua ajudante é demonstrada como alguém com características físicas sobre humanas, histérica e emocionalmente instável. Todas características negativas associadas aos negros ao longo dos anos, graças ao trabalho de vários europeus, americanos e BRASILEIROS, em um processo de construção de uma imagem racista destas populações. Isso para não tocarmos na forma como a direção do anime opta em retratar Krone nos momentos em que ela é uma ameaça para as crianças, a mesma tem sua aparência deformada de maneira recorrente ao longo da história. Para aqueles que não entenderam o que eu quero dizer vou ser objetivo, elogiei acima como a direção usa de recursos de iluminação para apresentar a Isabela (uma mulher branca) de maneira horripilante, agora quando se trata da Krone (uma mulher negra), ao que parece os diretores não conseguem fazer isso e optam por apresentar a mesma como um monstro. Esta maneira de representar a personagem se encontra no seu material de origem, o manga, e é sim um problema de roteiro (e também de direção que optou por não modificar isso), e deve sim ser criticado. Não é porque a obra é japonesa que ela não pode reproduzir estereótipos racistas sobre os negros, e The Promised Neverland infelizmente o faz!
Outro ponto do roteiro é a forma como os nossos protagonistas são retratados. A história afirma que os três são os prodígios do orfanato, que estão empatados em inteligência, mas claramente Norman e Ray são superiores a Emma neste sentido. Ou seja, a narrativa nos diz uma coisa, mas mostra outra. A menina é mostrada como a líder do grupo e uma “mamãe” em potencial, o que só me faz acreditar que existam diferentes tipos de inteligência para o enredo e Emma tenha algum tipo de inteligência emocional. Isso é um problema porque, em primeiro lugar, a história não diz isso, sou eu que estou completando uma lacuna deixada pela mesma e em segundo lugar, reproduz um papel de gênero específico da mulher que o enredo poderia ter quebrado, mas infelizmente não o fez.
Por fim, o último problema que me incomoda nesta série é o Ray. Não vou dar spoilers aqui, mas basicamente ele sempre me tira da história e me faz pensar, “ah velho”… Uma questão relacionada a sua memória, ou eu deveria dizer super poder, e os seus momentos dramáticos que deveriam parecer surpreendentes, mas que para mim só soam como histéricos, broxantes e, como eu disse, me fazem sair da história. O que é uma pena…
Em resumo The Promised Neverland é um bom anime para quem quer se divertir. O roteiro é bom, apesar das suas escorregadas e a direção é um show a parte. Espero pela segunda temporada e torço para que o mesmo não tenha o mesmo fim deprimente que Death Note.



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