Coringa: Um Grito de Socorro da Sociedade Contemporânea


Cara leitor, acredito que o título já deixe claro que este texto é para tratar do filme do Coringa {eu, o outro escritor do blog, não o que escreveu esse artigo, pergunto: Porque todo mundo escreve Coringa e não Curinga que é o mais correto?!}[Porque sim! Assinado: o autor do texto!] brilhantemente protagonizado pelo Joaquim Phoenix e dirigido, também de maneira brilhante por Todd Phillips. Então como vocês já sabem, este texto contém spoilers a partir da segunda parte e caso alguém aí não tenha visto o filme ainda, não diga que eu não avisei e vá ver o mesmo agora! Acreditem em mim, vale muito apena.
Eu verdadeiramente amei este filme e acredito que todos deveriam vê-lo, contudo creio que antes de falar dele propriamente dito, preciso fazer dois pequenos adendos. O primeiro é que eu sou o público-alvo deste filme. Nunca fui fã dos heróis estadunidenses, tenho muito pouco conhecimento sobre os mesmos e correndo o risco de ser repetitivo, reafirmo que nunca tive grande interesse por eles, de minha parte sempre preferi os japoneses. O que me levou ao cinema não foi a expectativa de ver um filme do Coringa do Batman, mas sim os comentários de como esta obra era impactante e necessária para o mundo em que vivemos. Neste sentido, eu não me senti incomodado como um fã dos quadrinhos deve ter se sentido, mas compreendo vocês. O meu segundo adendo é que estamos falando de um filme extremamente aberto para interpretações diversas e que a minha não é a única, nem a mais perfeita e nem pretendo esgotar tudo o que esta obra quis dizer. O que farei aqui é apenas expor o meu ponto de vista e dizer a vocês como o mesmo me impactou o que ele representa para mim.
Vamos tirar logo este engodo da sala e dizer, meu Deus, que atuação foi essa do senhor Joaquim? Ele foi maravilhoso e, a não ser que algo muito impressionante aconteça nessa reta final do ano, este senhor vai levar todos os prêmios de melhor ator no ano que vem. E o Coringa, provavelmente vai ganhar o seu segundo Oscar… Temos que ser justos, e dizer que os outros atores, embora não brilhem tanto como o protagonista, fizeram um ótimo trabalho e isso merece ser reconhecido. Não vou me alongar mais neste ponto, até porque não há mais nada a ser dito, todos estavam maravilhosos, e o Joaquim Phoenix estava mais!
O que eu quero mesmo fazer aqui é falar mais do papel do diretor, Todd Phillips, mais precisamente, da forma como ele escolheu recriar a história de um vilão tão famoso como o Coringa. Eu reafirmo o que disse mais acima, conheço muito pouco dos heróis estadunidenses, mas conheço a essência dessas histórias, senão a essência, posso dizer que conheço algumas de suas características. Aqui até vale a pergunta: Quem não conhece? O principal mérito do diretor, na minha opinião, é justamente esse: ele manteve as principais características da história desse universo, apenas a reorganizou a sua maneira. Gothan ainda é uma cidade decadente, com grandes diferenças sociais, de um lado um alto índice de acumulação de riqueza, de outro a pobreza e a criminalidade. O nosso protagonista, ou deveria dizer o nosso vilão (?), ainda é uma pessoa com problemas mentais. Todd Phillips então pega todos estes elementos, e torna Gothan City uma cidade mais real, onde dados sociais, alarmes e crimes bárbaros causam uma convulsão social, e não ao aparecimento de justiceiros ricos e sábios. Gothan então é um pedacinho do Rio de Janeiro ou de qualquer outra metrópole em que tais ingredientes estejam presentes.
Se você chegou até esse parágrafo do texto e ainda não viu o filme Coringa, a hora de parar é agora! Até aqui eu comentei coisas mais gerais da trama e não dava spoilers propriamente dito, essa realidade muda daqui para baixo. Para tudo, vai ver Coringa e depois volta. Viu? Então podemos continuar o texto...
E é no meio deste caos que se encontra Arthur Fleck, aquele que virá a ser o Coringa. Ele faz parte de um grupo muito específico de sua sociedade, trata-se de um homem fracassado, alguém que não atingiu o sucesso, um comediante que não tem graça. Para um filme que se passa nos EUA durante a década de 1970, este é um dado importante, estamos falando de uma sociedade que sempre cultuou o sucesso, embora hoje existam bastantes críticas internas a esta cultura. Me chamou muito a atenção durante o filme de como Arthur é um homem magro, uma magreza que não é natural, mas sim derivada da pobreza. Logo no início do filme temos um diálogo interessante entre ele e a mãe, quando este prepara o jantar da mesma e ela pergunta se ele já comeu e Arthur não responde, apenas se esquiva da pergunta. Mas as coisas ainda pioram, porque não basta ser pobre, Arthur é um doente mental, é um indesejado. Em seu último diálogo com a terapeuta, ainda em liberdade, este lhe diz que quer tomar mais remédios para se sentir melhor, o que ela diz não ser possível. Inclusive a mesma lhe informa que a terapia estava encerrada naquele momento, afinal o Estado não pode gastar mais com loucos e pobres, categorias as quais o nosso protagonista pertence duplamente. Resumindo Arthur era alguém em vulnerabilidade social e que foi completamente abandonado por todos.
Mas este filme não é só sobre os vulneráveis sociais, ele também trata dos soberbos homens brancos e ricos. É impressionante como esta obra é eficiente em mostrar como estes homens dominam a vida política de Gothan. Thomas Wayne está o tempo todo na TV, quando este formaliza a sua candidatura a prefeito da cidade, ele não apenas chama os pobres de palhaços, como também afirma que: “não existe esperança para Gothan além de mim”. Isso me parece muito semelhante a fala de alguns economistas ortodoxos brasileiros e alguns políticos pertencentes ao partido “Recente” (entendedores entenderão). Além disso, temos toda a comoção social causada pela morte dos três funcionários das Indústrias Wayne. Pensemos quantas mortes bárbaras não devem acontecer naquela cidade diariamente? E porque somente a destes homens repercutiu tanto? E finalmente temos Murray, um comediante de sucesso, que está em um patamar que jamais vai ser alcançado por Arthur. Ele é alguém que “venceu na vida”, e que se dá o direito de debochar de pessoas como o nosso protagonista. Pessoas que deveriam ser acolhidas e tratadas e não ridicularizadas.
Sei que algumas pessoas poderiam me acusar de estar defendendo o Coringa, mas este não é o meu ponto. O fato, é que o mal que este representa poderia ter sido evitado, mas não foi. A sociedade gerou o Coringa, e este depois de gerado, causa danos a própria sociedade, e não há nada de bonito nisso. Essa obra mostra isso, como a escalada foi dos dois lados. Arthur não simplesmente amanheceu e colocou a cara de palhaço. Ele o faz porque alguns manifestantes o faziam, e estes o faziam porque Arthur matou três pessoas enquanto estava fantasiado de palhaço. Ele não escolheu o nome Coringa, este nome quem escolheu foi Murray, Arthur simplesmente o adotou. Trata-se, como eu disse, de uma relação que se retroalimenta.
Na contramão do que pensam alguns, eu não acredito que Coringa glorifica a violência, muito pelo contrário. Sim, o filme é extremamente violento, as cenas são muito fortes, mas o que não vi ninguém levar em consideração é o que a obra fala da sua própria violência? Já no final do filme, Murray pergunta para o protagonista: “você está vestido assim por questões políticas”? Coringa, já caracterizado afirma: “não, eu não sou um político! Eu não estou nem aí para isso”. Mais a frente, logo após ter confessado o assassinato, ele afirma: “eu sou apenas um doente mental que foi abandonado por todos vocês”! O filme chega a dizer que o protagonista não é um herói, não é alguém que deve ser seguido e não acredita que ele seja exemplo para nada! Para mim está muito claro isso. Inclusive, sabe qual filme nós amamos e que afirma que a violência é um meio de mudança social? V de vingança! Fica aí uma reflexão, acho que o debate estava muito essencializado e que devemos aprofundar-lo um pouco mais.
Porem nem tudo são flores em Coringa, temos alguns espinhos também, três para ser mais preciso e vou falar dos mesmos agora. O primeiro seria fã services demais sobre o Batman. Achei totalmente desnecessário a cena da morte dos Wayne. Segundo ponto, sobre o suposto fato de Thomas ser pai de Arthur. Eu devo dizer que gostei muito dessa ideia, mas acho problemático o fato disso ter sido levantado para depois ser falso. Isso porque o filme quer te mostrar como o patriarca Wayne é um escroto e, a partir do momento que se demonstra que tudo não passava de uma mentira de Penny, mãe de Arthur. Isso tira a força da imagem do rico escroto personificada por Thomas. Compreendo que este plot é o ponto de virada do nosso protagonista, então o mesmo cumpre uma função vital para a narrativa e que Dor… Digo Thomas poderia muito bem ter forjado toda aquela situação para encobrir o seu “erro” do passado. Contudo, o filme não deve ser estragado com uma continuação e, além disso, outro plot poderia ter sido usado para ser este ponto de virada. E sim, se eu soubesse que outro plot seria este eu não estaria aqui escrevendo, mas sim em Hollywood. O nosso último problema é: o filme sai muito bem do coletivo para o individual, mas para mim ele não retorna tão bem do individual para o coletivo. Explico, uma sociedade de merda fez com que Arthur se tornasse o Coringa, o que o filme não explicita é o porque este ser tão destrutivo como o Coringa consegue atrair várias pessoas para si. Faltou algo no filme para complementar isso. Na cena em que o protagonista é glorificado por uma multidão com máscaras de palhaço, depois de ter confessado os seus crimes em rede nacional, poderia ter dito algum monólogo bem pequeno ou algo assim. Não acho que isso empobrece a mensagem do filme, mas lamento por ela não ter sido um pouco mais clara neste ponto.
Leitores amados me perdoem o textão, mas um filme como Coringa precisava disso! Eu verdadeiramente recomendo que todos vejam este filme e, se quiserem, que venham aqui debater conosco. Afinal como eu disse no início, tenho certeza que não esgotei todas as possibilidades de debate deste filme e que podemos aprofundar mais o assunto. Abraços.




Comentários

  1. "O primeiro seria fã services demais sobre o Batman. Achei totalmente desnecessário a cena da morte dos Wayne."

    Na minha opinião, esse "fã service" conclui o filme de forma excelente. O Arthur, provavelmente, mataria Thomas Wayne em algum momento. O Coringa não é um símbolo, ele é a vontade reprimida que as as pessoas de Gothan tem guardadas em si. O Thomas foi morto por alguém que teve experiência diferente porém sentia o mesmo "incômodo" que o Arthur.

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    1. Oi Tiago tudo bem?
      Ficamos felizes com o seu comentário. Aqui quem fala é o Petterson, o autor do texto. Não tinha percebido essa questão do Coringa ser uma representação da vontade reprimida de Gothan, e olhando por esta perspectiva, de fato faz sentido a morte de Thomas Wayne. Mas a questão que coloco é da intencionalidade. Será que Todd Philips quis fazer isso para trabalhar essa imagem do Coringa ou quis fazer isso para fã service? Sei que é complicado a gente ficar discutindo coisas sem nenhum elemento, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha, mas é uma questão. Creio que foi mais pelo fã service mesmo, mas de todo jeito o seu argumento e é uma ótima forma de ver a questão.

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