A auto-organização dos povos: o caso de Bacurau

Caros leitores, neste texto vamos falar do filme Bacurau. Essa não é uma tarefa fácil, apesar de incrível e maravilhosa, a produção brasileira escolheu uma narrativa muito própria para contar essa história. O que é curioso, mesmo sendo muito original no método adotado para desenvolver a trama, podemos perceber claramente a influência de filmes de velho oeste e de Tarantino. Sem falar na sátira que a obra faz em relação a alguns filmes de ação de Hollywood. Todos estes elementos juntos fazem de Bacurau um dos melhores filmes nacionais do ano passado e ouso dizer, que o mesmo deveria figurar ao lado de Central do Brasil, O Alto da Compadecida e Tropa de Elite como ícones do cinema nacional contemporâneo. Ah, vocês já sabem, né? Esse texto contém spoilers, mas nem tanto.
Vocês devem estar se perguntando por que eu coloquei este título nesta resenha? Então, é que Bacurau não tem protagonista, ou melhor, tem. O pequeno povoado de Bacurau é o protagonista. Então leitor amigo, esqueça a jornada do herói (graças a Deus), o que importa nesse filme é a capacidade da população deste pequeno povoado do interior do nordeste de se auto-organizar e se defender sozinha, de fazer por si próprio, sem a ajuda de salvadores externos. É quase impossível lembrar o nome de um personagem, o que lembramos é de suas profissões: médica, prostituta, professor, pistoleiro… E o melhor de tudo, é que isso não é um demérito, todos eles são importantes, porque é da união deles que surge a capacidade de resolução do problema.

Em muitos sentidos, podemos dizer que Bacurau é um reflexo melhorado do Brasil. Reparem que eu uso o termo reflexo e não paraíso. Vamos por partes, o nome do filme é justamente o nome do povoado, sim este lugar não é uma cidade, mas um minúsculo povoado no interior do nordeste que de fato, pertence a uma cidade que eu nem me lembro o nome e que não é importe para este texto. O filme deixa claro que os habitantes deste lugar são pobres, mas todos têm dignidade. Temos uma cena em que os líderes comunitários distribuem alimentos e podemos perceber que boa parte da população vai para a fila pegar os mesmos, sem tumulto, sem gente com cara suja ou maltrapilha, apenas pessoas em busca de sua sobrevivência. A narrativa também não pega o fácil caminho de mostrar o povo nordestino do interior como caipiras, muito pelo contrário, eles tem acesso a celulares, tablets, computadores e outros meios de tecnologia, diga-se de passagem todos gostam bastante da mesma. Além disso, temos homens e mulheres, brancos e negros, gays e héteros, putas e professores sendo tratado da mesma maneira, sem preconceitos. É como eu disse, Bacurau é um grande reflexo do Brasil melhorado, onde apenas da pobreza a solidariedade é horizontal e a vida é digna, onde a tecnologia é usada para o bem, de maneira a unir e não a separa, onde a diversidade não te faz melhor ou pior do que ninguém, é um Brasil melhorado, mas ainda assim realista.

Perceberam que até agora eu não falei da trama do filme. Pois é, isso acontece no próprio filme, ele demora a mostrar a sua trama e isso é preciso, embora o deixe muito arrastado no início. Depois de muito mistério, descobrimos a existência de matadores estrangeiros que querem acabar com a população do povoado. O curioso é que apesar de representarem uma ameaça, estes estrangeiros são ridicularizados na forma que são retratados. A sua dublagem é propositalmente ruim e bem “canastrona”, e quando a narrativa é focada neles, parece que estamos em um filme trash americano. Vou optar por não revelar todos os pormenores da trama principal do filme, apesar deste ser um texto com spoiler, pois acredito que todos deveriam assistir o mesmo e ter a experiência de descobrir o que se passa. Me limitarei a dizer que esses matadores estrangeiros recebem ajuda de alguns brasileiros durante a sua jornada. Este fato inclusive, gerou um dos melhores diálogos que já vi, onde uma dupla de cariocas dizem fazer parte do grupo dos estrangeiros porque: “a gente é branco e vem da parte mais rica do Brasil”. Essa afirmação é motivo de deboche, os estrangeiros afirmam que eles são no máximo latinos e que de certa forma, traem a sua gente.

Quando este plot é revelado, a direção de Bacurau faz uso de várias influências de filmes de velho oeste e de Tarantino para colocar um pouco de ação na sua narrativa. Não é difícil de perceber estes elementos e qualquer um que ver o filme vai entender do que eu estou falando. Então a película que até então quase se arrastava, torna-se repleta de dinamismo e emoção.
Vocês já devem ter percebido que ocorre um embate entre os estrangeiros e a população local. E é curioso notar como as armas que a população usa não são somente rifles e pistola, mas também a sua própria história e cultura. Bacurau demonstra que devemos lutar para proteger a nossa identidade, a nossa terra e a nossa gente. Nessa luta podemos lançar mão de coisas como armas de fogo modernas, mas também de nossa culinária e de nosso passado.

Finalizo este texto com uma crítica. Bacurau é um filme necessário para os tempos em que vivemos no Brasil, tempos em que querem nos vender para estrangeiros e nos tratar como pragas que sugam o Estado. Nestes tempos, a nossa auto-organização é mais que necessária para que continuemos a existir, assim como Bacurau lutou e preservou a sua existência. Entretanto, este filme poderia ter sido mais acessível, a mensagem é mais do que necessária, eu só não sei se o brasileiro irá conseguir ouvir.

Comentários

  1. Camarada, eu penso que talvez esse Brasil melhorado já exista em várias pequenas cidades pois essas cidades pequenas, assim como em Bacurau, tem um grande senso comunitário. De resto a crítica foi muito criativa, leve e pertinente. Axé!

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