Quem é o mestre? – Narração e Imersão
Se há uma força principal no RPG, na minha opinião, é a capacidade de imersão que ele tem, e você, como mestre, narrador, tem como uma de suas funções promover essa imersão [Como diria o Choque de Cultura, sou obrigado a concordar com o palestrinha.]. Lembre-se, o trabalho do mestre, além de mediar e criar desafios, é entreter a todos na mesa, e para mim, se o jogador está imerso na história, imerso no momento, se ele se investe no jogo, ele vai se sentir entretido. Como disse no texto anterior, você é o limite entre a realidade e a fantasia. Eu costumo resolver esse problema tentando me imaginar naquele local, extrapolar e pensar o que eu estaria sentindo, tato, paladar, olfato, audição, o que cada sentido estaria captando? O que tem nesse ambiente que chama a atenção? Ler é uma boa ajuda, obviamente, seu vocabulário melhora, você vê como outras pessoas descrevem coisas e locais [A não ser que o mestre resolva descrever as coisas da mesma maneira que o Tolkien, aí a sessão não vai terminar nunca]. Mas sair para caminhar, ter contato com a natureza te ajuda a ter experiências que você lembrará quando estiver descrevendo um ambiente, e para mim isso ajuda bastante também.
Dando
um exemplo. Próximo a cidade onde minha mesa está no momento há um enorme
pântano, realmente enorme, com quilômetros de extensão. Eu já estive em alguns
pântanos, eu já andei em charcos e lugares assim então em vez de fazer uma
simples descrição como [Oferecimento especial: exército
brasileiro]:
"Vocês
adentram um pântano, árvores secas e podres os circundam, ramos e folhas cobrem
o chão encharcado."
Tendo
a experiência de estar num lugar assim eu sei bem o que incomoda e qual a
sensação física de estar lá, então posso adicionar a essa narração visual:
"Vocês
adentram um pântano, árvores secas e podres os circundam, ramos e folhas cobrem
o chão encharcado. Vocês sentem o frio das brumas que os cercam, como que um
véu que passa sobre suas peles. O chão é gelado, mesmo que através de suas
botas, vocês sentem o frio da lama que cobre seus pés. Uma leve camada de água
entra por frestas em seus calçados, e vocês podem sentir uma areia incômoda
grudando entre seus dedos. O cheiro é insuportável, um cheiro de decomposição,
de morte, um misto de podridão com terra molhada, ele impregna tudo e é tão
forte que vocês sentem o gosto amargo do ar as voltas quando abrem a boca. A cada passo vocês sentem a lama
grudar em seus pés, como que tentando segurá-los no chão. Suas pegadas ficam
para trás e logo se enchem da mesma água fétida que encharca tudo. O som dos
insetos voando a volta é contínuo, um zumbido incessante e irritante. Eles
batem em suas peles, pousam, picam partes do seu corpo, hora aqui, outra ali. A
caminhada é difícil, é pesada, vocês tem que forçar cada passo.”
Tente
estender essa narração para todos os sentidos do personagem, tente fazer com
que o jogador sinta o que o personagem está sentindo. Pequenos detalhes e
descrições de ocorrências nesses ambientes fazem ele se tornar mais real, mais
palpável.
Outra
dica é você inserir o que eu chamo de “elemento inusitado” a um ambiente. Não é
algo que você vai fazer sempre, até porque se o fizer demais vai perder a
graça, mas você pode inseri-lo em um local que você julga importante, ou em um
local que você quer que os jogadores sintam algo diferente, se sentirem
temerosos, ou maravilhados, algo do gênero. Não precisa ser sempre algo
grandioso, majestoso, as vezes é interessante, quando faz sentido para o lugar,
mas pequenas mudanças na arquitetura de um ambiente que o diferenciem de seus
iguais já pode torná-lo memorável para seus jogadores. Dando dois exemplos,
cada um em um lado do espectro.
“Escondida
em um vale entre as montanhas do reino de Ärdin, conhecida como A Cidade das
Luzes, Isilmë é a cidade das artes no mundo élfico. Em meio a uma floresta de
árvores brilhantes, lar do palácio real no continente, é uma visão rara para um
elfo e uma impossibilidade para os mortais. A cidade fora construída em uma
arvore imensa, com folhas de cristal que brilham em um espectro opalesco. As
moradias e ruas expandem-se desde os arredores do gigantesco tronco até
internamente a ele, com seis andares internos e vários pátios e casas que se
estendem nos enormes galhos.”
Isilmë
é uma cidade élfica, o que no cenário de Formëna já é algo raro, que inspira a
diferença, que maravilha as pessoas comuns. Então nesse pensamento eu a esculpi
em uma árvore gigante com folhas brilhantes. Algo que vai chamar a atenção,
algo que vai inspirar beleza na imaginação do jogador. Durante a estada nessa
cidade, por exemplo, você pode relembrar o jogador da grandiosidade do
ambiente, de como é belo o brilho das folhas e coisas assim de tempos em
tempos.
Agora
partindo para outro exemplo vou usar Souldellac, uma cidade humana de médio
porte. Nesse caso eu me utilizei de três elementos inusitados, porém cada um é
circunstancial, e só vai aparecer caso os personagens jogadores estejam em
determinados locais da cidade, ou seja, cada um funcionaria sozinho, caso
quisesse, poderia tê-los cada qual em um local diferente.
“Soudellac,
é uma pequena cidade mineradora as margens do grande lago Dusang, entre duas
vértebras da cordilheira Carcasse. Uma das poucas cidades que ainda conseguem manter sua cultura passada de maneira ativa sem muitas interferências do
Império de Lyon e lar do ultimo monastério Ellionita que se tem notícia. O monastério,
conhecido como Arce Siderum, a Fortaleza das Estrelas, é esculpido diretamente
na rocha da cordilheira, porém está praticamente abandonado, tendo algumas
dúzias de monges e praticantes que ainda moram e mantém os andares mais baixos da fortaleza templo.
A
cidade é praticamente toda pavimentada, e onde não há pavimento o chão é de
cascalho, pedrinhas na sua maioria arredondadas devido à proximidade com o
Dusang. O lago é lindo e enorme, e tem seu nome derivado da concentração de
hidrofala, um tipo de coral rubro que cresce no lago que dá a suas águas
uma coloração avermelhada, principalmente quando olhado das montanhas. As
poucas margens que não são de cascalho tem uma areia enegrecida, áspera devido
a concentração de minérios.
O
clima é frio quase que o ano todo, e neva bastante no fim e no início do ano,
devido a isso várias casas tem dois andares e a cidade tem uma espécie de
trilhas suspensas, como que passarelas em meio as casas ligando algumas
varandas, como se a cidade tivesse um segundo andar em alguns lugares. Isso faz
com que haja uma espécie de um complexo de túneis sob essas passarelas, que
estarão sempre livres de neve.”
Temos
aqui, um monastério fortaleza esculpido diretamente na rocha de uma montanha,
um lago de águas vermelhas e uma cidade com passarelas suspensas e túneis, cada
qual da um ar exótico á cidade, mas não são coisas completamente impensáveis ou
absurdas. Mas fazem com que o jogador se afeiçoe e lembre com mais facilidade
daquele local contanto que você lembre de incluir esse detalhes nas suas
narrações de acontecimentos dentro da cidade.
[O senhor Gabriel ao escrever este texto
não incluiu nenhuma localidade dominada por anões, como partidário dos elfos,
devo dizer que este texto tem o selo Tranduil de aprovação.] {Então, mas é
porque tem um texto inteiro só sobre anões, já os elfos podem ser só uma
citação}
Mas
aqui vai um aviso, cuidado com o exagero. Não se perca em narrações
gigantescas, não é todo jogador que se interessa em saber "a cor do glifo arcano esculpido no anel mágico no dedo anelar do lich". Então tente fazer descrições gerais a
principio, não exclua elementos dessa descrição, mas diminua a quantidade de
detalhes, seja mais direto e tente expor todos os elementos ali presentes de
forma mais simples. E, caso algum jogador pergunte sobre algo, descreva mais
afundo aquilo.
Para os outros textos do "Quem é o Mestre?" clique aqui
Caso você seja cegueta como o outro escritor do blog e não viu o link para o texto dos anões, clique aqui
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